terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

A Fubica

Introduçao

Esta história se passou no início da década de 60, alguns anos depois da chegada da família a Rio Grande, vinda de Portugal. Eu e meus irmãos sempre ouvimos falar da Praia do Cassino, porém ninguém de nós conhecia, pois, além do fato de morar há pouco na cidade, havia um agravante, não tínhamos carro e para ir ao cassino era preciso ou ter carro, ou então enfrentar a fila do ônibus, pois o trem já não mais existia.

A Fubica chegando em casa

Um dia o Pai se animou e comprou um automóvel, isto é, uma camionete, Modelo A, 1929, modificada para o que se chamava popularmente na época de "Fubica",. Lembro do dia em que o Pai foi trazer a esperada viatura. Nós ficamos todos aguardando a sua chegada triunfante. Porém qual não foi a nossa decepção quando a não tão flamante camionete como imaginávamos chegou rebocada, isto mesmo, puxada por uma corda. Percebemos logo que a "Fubica" não veio totalmente pronta para andar. Veio rebocada por outra "Fubica", a do Tio Zé (sempre ele), que era uma Chevrlet Pavão, já alterada, que possivelmente era do ano 1930, portanto um ano mais nova. A nossa "Fubica" era um legitimo "Guarda Louça" ambulante, pois, com exceção da parte da frente, o resto era todo em madeira e envidraçada e nas cores de Portugal: verde e vermelho.

Preparativos da viagem

Enquanto a "Fubica" era consertada, na oficina do Tio Zé, com peças quase-novas, comprada no Ferro Velho do Cedro, o melhor e mais surtido da cidade, nós íamos imaginando o dia em que poderiamos viajar nela e ir ao Cassino. Passava fim de semana e mais fim de semana e a "Fubica" não ficava pronta nunca. Nós ficávamos ansiosos e comentando o quanto seria interessante conhecermos a praia do Cassino. O pai não se mostrava muito animado com esse negócio de ir na praia e ter que viajar com a "Fubica", porém a Mãe era nossa parceira e “enchiaosacodele” para irmos de uma vez.

Rumo ao Cassino

Num belo final de semana a "Fubica" estava pronta e a sonhada ida ao Cassino finalmente seria realizada. Subimos todos na "Fubica": O Pai e Mãe no banco da frente; as gurias no banco de trás e os demais na parte traseira junto com o "fiambre". O Pai recomendava:
- Os que vão atrás, fiquem agachados quando passa na Poícia Rodoviária, senão leva multa.
E nós cumpriamos a risca.

Porém a nossa primeira tentativa ficou frustrada e nem chegamos a Polícia Rodoviária que era na entrada do Cassino, pois paramos logo ali na Junção. Os pneus que não eram novos e estavam meio carecas não aguentaram a viagem e logo um pneu furou e como não tinha estepe, o jeito foi fazer o conserto e voltar para casa, pois o Pai não confiava nos demais pneus. Ainda houve outras tentativas que também não deram certo por causa dos pneus, ou alguma pane mecânica imprevista. Finalmente, com pneus melhores e depois de alguma experiência em viagens, conseguimos chegar até ao Cassino.

Chegando no Cassino

Ao chegar ao tão sonhado Balneário, logo na Avenida acho que a "Fubica" sentiu o impacto e meio chucra se assustou com o movimento e começou a tossir, PUF... PUF... FUF... Logo após engasgou e afogou e, para espanto e surpresa nossa, apagou. Imaginem a cena: a rua congestionadíssima de carros, fila dupla, os carros coladinhos um no outro e a Fubica apaga bem no meio da rua. Era um tal de buzinar e o Pai atrapalhado tentando fazer a danada pegar e "delearranque", ROONQUE... ROONQUE... ROONQUE... e, nada. Foram várias tentativas e desistências, até que, como a bateria não era nova e o dínamo também não carregava nada, acabou que a bateria esgotou a carga. Ficamos ali a deriva, rodeados de carros e gente nos olhando. Alguns nos chingavam dizendo:
- Tira essa droga da frente, outros
- Joga esse guarda louça no lixo, outros ainda,
- Recolhe essa porcaria ao ferro velho.
E nós ali, como que extasiados e sem reação. Tá certo que a nossa "Fubica" era velha, mas não precisava ofender tanto. Aquilo despertou em nós um sentimento de solidariedade e pena ve-la assim tão massacrada, humilhada.

Pegando no tranco

Um camburão da brigada já vinha se aproximando quando o Pai com determinação e confiança disse:
- Pessoal, o jeito é empurrar. No tranco ela pega.
Nós ainda nos "encolhemos" um pouco, porém, logo também reagimos e num ato de bravura fomos todos nós salvar a dignidade da "Fubica", e também a nossa. Não havia outra saida, o jeito era empurrar, isto mesmo, todos teríamos de descer e empurrar. Imaginem a situação: aquela "ratatulha" saindo do "guardalouça" para empurrar. E lá fomos nós, com toda aquela procissão de carros atrás buzinando e chingando. Bom, pensamos, se é para ser, então que seja logo: descemos e fomos logo empurrando até que o motor deu uns estouros, PRRUUM... PUM... PRRUUM... PUM... PROOCC... PROOOC... PRROOC.... e a "Fubica Veia" pegou novamente. Voltamos logo todos para dentro da nossa "Fubiquinha" com a alma lavada: dignidade e veraneio salvos!

Aquela situação toda mexeu com os brios do Pai que ficou um pouco bravo. Nunca tinha dirigido em movimento tão grande o que o deixou um pouco estressado e nervoso. Ele passou dirigir resmungando e xingando:
- Não sei de onde saiu tanta gente,
- Nunca vi tanto carro.
- Esse pessoal não anda.
- Parece uma procissão
- Só espero que a "Fubica" não apague novamente.

Chegando na praia

Após muitas andadas e freiadas, trancos, barrancos e solavancos, finalmente chegamos na beira da praia. Ai ficamos todos felizes. O Pai e a Mãe lembraram de Portugal e a mãe até lembrou que Lisboa ficava do outro lado do mar, era só seguir reto. Também lembraram da viagem de navio quando vieram para o Brasil. Tudo era só alegria: o contato dos pés na areia da praia; o bater das ondas em nossas canelas; o entrar no mar salgado e cheio de ondas e finalmente, o tão almejado banho de mar. E a Mãe preocupada com os "pequenos" para que nenhum fosse no fundo. Aquilo era a própria felicidade. É claro que não tínhamos protetor solar, guarda sol, cadeiras de praia, etc. Fomos todos só com a roupa do corpo e um fiambre para comer e, é claro os nossos trajes de banho modelo “feitoemcasa”. Logo após comemos o "fiambre" preparado pela Mãe e as gurias: galinha assada e pão e para beber, Quisuco de morango. Depois, bem, depois não havia mais nada a fazer a não ser ficar se bronzeando, quer dizer “queimando” no sol. As gurias se deitaram no chão para se bronzear. Eu e os demais fomos jogar bola.

Sob o sol do Cassino

O sol queimava como brasa em pleno verão de janeiro. Tudo isto não durou mais do que uma hora e meia. O sol torrava emplacavelmente, e nós ali, sem nenhuma proteção: nem guarda-sol, nem chapéu, nem óculos de sol, nem nada. A nossa pele começou a ficar vermelha como pimentão e a doer. A Mãe sabia que havia perigo de ensolação, principalmente para os menores. Lá pelas tantas o Pai se indignou e disse:
- Mas que droga de lugar, não tem uma sombra ou uma árvore sequer para a gente repousar e eu não vou ficar aqui neste "solasso". Dito isto, a Mãe que já estava preocupada com tanto sol foi nos chamado e logo percebemos que o nosso mini-veraneio estava terminando.
- Subam todos, falou o Pai.
- Vamos indo pois isto aqui é uma "torreira" danada que não dá para aguentar.
- Não sei como essa gente toda aguenta!

O retorno

Subimos todos e logo estaríamos novamente enfrentando o engarrafamento da avenida. Foi um novo sacrifício cruzar por todos aqueles carros. A "Fubica" de vez em quanto dava uma tossida PUFF... PUFF... PUFF... porém o Pai, já vacinado e com medo de que ela aprontasse novamente acelerava o máximo não deixando ela apagar. Era uma barulheira tremenda, PROROOOC... PRORROOC... PROOOROC... soltando fumaça e uma fagulha de fogo pelo cano de vez em quando, porém firme e altaneira, não se "mixando" para os carros mais novos e bonitos. E nós?... E nós, lá atrás. Um pouco frustrados é verdade, pela brevidade do passeio, porém felizes e com a certeza de que voltariamos outras vezes. Que saudade danada! Eta Cassino bom!!!!

3 comentários:

  1. Uma bela História!
    Por mais imposível que seja, nunca desista do seu objetivo!
    Viva, aprendendo VIVER!

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  2. eu gostei muiiiiiiiiiito.

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  3. Por mais que eventualmente requeiram alguma atenção mais específica, os carros antigos ao menos são mais fáceis de manter rodando do que um modelo mais novo cheio de circuitos eletrônicos...

    http://cripplerooster.blogspot.com/2012/01/carros-velhos-uma-verdadeira-ameaca.html

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